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A canibalização das vendas entre automóveis de uma mesma montadora – Ilustração: Arionauro/Carta Z Notícias – Data: 13/11/2007 – A menção dos créditos é obrigatória
 
Vorazes e furiosos


Montadoras armam estratégias para minimizar possíveis disputas entre seus modelos
 

por Diogo de Oliveira
e Fernando Miragaya
Auto Press
 

                Fabricantes de automóveis volta e meia se deparam com um dilema: lançar um novo produto e, ao mesmo tempo, impedir que ele afete as vendas dos modelos já produzidos. A canibalização é uma espécie de fantasma que assombra os executivos de montadoras. Afinal, em vez de aumentar volume e participação no mercado, uma novidade pode se revelar “um tiro no pé”. E, se o modelo tem proposta ou preço parecido com outros da linha, a autofagia pode ser inevitável. Ainda mais num mercado como o brasileiro, que aposta em pouquíssimos segmentos de automóveis, como os de hatchs e de sedãs compactos e médios. Resta às marcas o controle de danos, seja através de realinhamento de preços, oferta de equipamentos ou criação de novas versões. “No fundo, é tudo estratégia de mercado. Às vezes é preciso perder vendas dentro da própria linha para ganhar no volume total”, argumenta Paulo Garbossa, consultor da ADK Automotive.
                A Renault, por exemplo, registrou uma queda de participação no mercado em outubro, com 2,85% a menos. Isso apesar de a marca francesa ter lançado um produto novo no mercado, o sedã compacto Logan. As versões de entrada do Clio hatch, com preços próximos, acusaram o golpe. O hatch teve as vendas reduzidas de 2.141 em agosto para 1.458 em outubro – setembro foi um mês atípico, com menos dias úteis e vendas muito baixas. O Logan, que começou com tímidos 1.214 em agosto, chegou a 2.407 unidades mês passado.
                Com o Clio sedã, porém, a autofagia foi mais controlada e o modelo até evoluiu nas vendas. Subiu de 481 unidades em julho para 1.074 em outubro. Na verdade, o três volumes passou a ter configurações mais equipadas e caras para se distanciar do Logan. “O nível de equipamentos que colocamos no Clio sedã é superior, inclui itens como ar e airbags, que só existem na versão 'top' do Logan”, completa Cássio Pagliarini, diretor de marketing da Renault do Brasil.
                Mas o melhor exemplo de “fogo amigo” quem dá é a Fiat. O recém-lançado Punto mal chegou ao mercado e já “fisgou” vendas de outros modelos da marca. Pelos números do Renavam, o hatch compacto obteve boa performance em outubro, com 3.660 unidades. Só que sua presença nas vitrines das concessionárias envelheceu toda a linha e redundou em vendas menores de todos os carros de passeio da montadora. O Palio emplacou 724 carros a menos, a totalização da Palio Weekend ficou menor em 593 unidades e o Siena perdeu 917 vendas, na comparação entre outubro e agosto. Stilo e Idea também perderam 47 e 83 unidades, respectivamente. Até mesmo o velho Mille teve a freguesia espantada pela chegada do novíssimo Punto: Foram 1.912 comercializações perdidas.
                Resultado: segundo a Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores – Anfavea – a Fiat registrou em outubro queda de 1,59% na participação em relação a agosto, quando comercializou 52.525 automóveis de passeio. No mês passado, quando a indústria brasileira bateu seu recorde histórico, a marca italiana vendeu 51.694 unidades, 831 a menos que em agosto. Ou seja: mesmo com um mais um modelo à venda, a Fiat ficou menor. A maior beneficiária desse fenômeno foi a vice-líder Volkswagen, que cresceu 9,79% nas vendas em comparação com agosto e saltou de 44.384 carros de passeio para 48.732. Fiat e Volkswagen não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
                Na GM, por outro lado, a chegada do hatch médio Vectra GT foi melhor controlada. O modelo poupou o próprio Vectra sedã, assim como o Astra hatch. Mas sobrou um pouco para o Astra sedã. Foram 580 unidades em outubro. Em agosto, mês de lançamento do GT, foram 751. “Uma canibalização bem-gerenciada pode ajudar a construir uma imagem que a marca deseja para si, para atuar em outros segmentos, por exemplo”, sugere o consultor Arnaldo Pellizzaro, da ABI Consult.
                Além disso, muitas marcas têm modelos que convivem “pacificamente”, margeadas pela política de preços. A Volkswagen, por exemplo, mantém o Jetta apenas com versão automática e mais bem-acabada a preços acima de R$ 80 mil. O outro sedã médio mexicano da marca, o Bora, briga em patamar mais baixo. Outros se previnem. A Nissan optou por trazer a versão automática do hatch Tiida sem o CVT, que equipa os modelos tops do Sentra. O câmbio continuamente variável, segundo a marca, deixaria a versão top do hatch mais cara e com preços que poderiam roubar clientela das versões de entrada do Sentra.
                Com a linha de pick-ups não foi diferente. A marca japonesa começou a importar somente versões superiores da nova Frontier, chamada de SEL, para manter a pick-up média antiga em produção na fábrica de São José dos Pinhais. A SEL tem preços acima de R$ 110 mil, enquanto a Frontier brasileira teve os valores reposicionados abaixo dos R$ 90 mil. “Reduzimos os preços da Frontier nacional gradativamente, mas estamos preparados para uma tendência de alguns clientes migrarem para a SEL”, reconhece Arison Souza, diretor de Marketing da Nissan.
 
Instantâneas
# Além da natural canibalização entre as versões hatch e sedã do Clio com o sedã compacto Logan, a Renault sofre de autofagia com a perua Mégane Grand Tour e a minivan Scénic. E há mais por vir: no início de dezembro, a montadora lança no mercado nacional o hatch compacto Sandero, que deve provocar reflexos nas vendas do Clio hatch.
# Quando trouxer o monovolume C4 Picasso no ano que vem para o Brasil, a Citroën ainda terá em sua linha de montagem o Xsara Picasso. Para um bom convívio entre os modelos, a marca francesa vai trabalhar os preços. “Optamos sempre por complementar a gama. O C4 Pallas, por exemplo, veio para preencher a lacuna deixada pelo Xsara”, observa Mário Mizuta, gerente nacional de vendas da Citroën.
# No segmento de pick-ups médias, a Mitsubishi começou a produzir no país a nova geração da L200, chamada de Triton, mas mantém em linha a geração anterior, L200 Outdoor, como modelo de entrada.
 
 

Veteranos na ativa
 

                Uma estratégia bastante comum nos anos 90 entre as montadoras foi manter versões antigas e novas para conviverem no mercado. Quem iniciou esta prática foi a Volkswagen, que manteve o Gol quadrado, lançado em 1980, junto com o Bolinha, de 1994. Depois, com a chegada do Fox, a Volkswagen deslocou o Gol para o papel de modelo de entrada e tirou as gerações antigas de linha. A General Motors até hoje mantém o sedã Corsa da nova geração, lançado em 2003, e o Corsa sedã Classic, lançado em 1995, lado a lado na concessionária. A Fiat, desde a primeira remodelação da linha Palio, em 2000, mantém dois desenhos diferentes de seus modelos Palio, Strada e Siena à venda – embora sejam da mesma geração e só tenham mudanças visuais na frente e traseira. Isso se repetiu em 2004 e em 2007.
                Mas independentemente do controle de canibalização que essa prática possa proporcionar, ou mesmo do atraso em relação às novas tecnologias oferecidas nos países ricos, manter modelos velhos em produção é lucrativo. Cerca de 80% dos Corsa sedãs vendidos são do modelo Classic. No caso da linha Palio, 70% do hatch e 60% do Siena são vendidos com carrocerias antigas. As marcas, é claro estão sempre atentas para uma lógica infalível do mercado: quanto maior o número de modelos a venda, mais chances a marca terá de fisgar um cliente que entrar em uma de suas revendas. “Com o mercado brasileiro do jeito que está, em plena evolução, a canibalização é inevitável. Modelos que já existem são reposicionados e encontram um novo segmento que se interessa por eles, como o de carros de frota” pontua Arnaldo Pellizzaro, especialista da ABI Consult.
 

 

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